Relatório indica divergências em procedimentos operacionais em treinamento com Helicóptero Águia que resultou na morte de policial militar

15/08/2022 08h33 Acidente aconteceu em julho de 2020, em Álvares Machado (SP). Cabo Alexandre Luís Batista, de 43 anos, caiu da aeronave em que participava de preparo de embarque e desembarque.
Por G1, Alvares Machado (SP)
Relatório indica divergências em procedimentos operacionais em treinamento com Helicóptero Águia que resultou na morte de policial militar (Foto: Arquivo/g1)

Divergências em alguns procedimentos operacionais a serem adotados no treinamento de embarque e desembarque, bem como uma possível falha no sistema de soltura – ou por acionamento involuntário ou equivocado –, podem ter ocasionado a queda fatal do cabo da Polícia Militar Alexandre Luís Batista, em acidente registrado com o Helicóptero Águia, em julho de 2020, em Álvares Machado (SP). Os dados são do Relatório Final Simplificado do 4º Serviço Regional de Investigação e Prevenção de Acidentes (Seripa IV), órgão ligado ao Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes (Cenipa), da Força Aérea Brasileira (FAB), finalizado no mês passado.

A investigação aeronáutica busca identificar os fatores contribuintes do acidente, com o objetivo de prevenir a ocorrência de fatos similares na aviação, em especial no que envolve a aviação de segurança pública.

Conforme as conclusões do relatório final simplificado acessado pelo g1:

Os pilotos estavam com os Certificados Médicos Aeronáuticos (CMAs) válidos.

Os pilotos estavam com as habilitações de Helicóptero Monomotor a Turbina (HMNT) válidas.

Os pilotos estavam qualificados e possuíam experiência no tipo de voo.

O operador aerotático de segurança (lançador) não possuía licenças e habilitações registradas na Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), porém, possuía função específica em conformidade com o Regulamento Brasileiro da Aviação Civil (RBAC), que estabelecia os requisitos para operações especiais de aviação pública.

A aeronave estava com o Certificado de Aeronavegabilidade (CA) válido.

A aeronave estava dentro dos limites de peso e balanceamento.

As escriturações das cadernetas de célula e motor estavam atualizadas.

As condições meteorológicas eram propícias à realização do voo.

O Procedimento Operacional Padrão (POP) sobre desembarque de tropas em estabelecimento prisional estava em processo de atualização.

A observância de regras ainda não formalizadas no POP propiciou a adoção de comportamentos informais durante as operações de treinamento.

A Unidade de Aviação Pública (UAP) não possuía um Manual de Operações (MOP) aprovado, conforme o RBAC.

O sistema de amarração de segurança não estava preso.

O militar “operacional tático II” realizou o procedimento de inclinar o corpo para a frente e se desprendeu da aeronave.

O militar sofreu lesões fatais.

A aeronave não teve danos.

Os três tripulantes e outros três passageiros saíram ilesos.

O Comando de Aviação da Polícia Militar (CAvPM) informou, em nota ao g1, que ainda não foi notificado pelo Cenipa do conteúdo do Relatório Final Simplificado da ocorrência aeronáutica de 16 de julho de 2020 e que tomou conhecimento da divulgação através de consulta ao site do próprio órgão da FAB (veja a íntegra do posicionamento no fim desta reportagem).

Histórico

O Helicóptero Águia da Polícia Militar decolou do Aeródromo Estância Machado (SDEM), em Álvares Machado, por volta das 13h25 de 16 de julho de 2020, a fim de realizar o treinamento de desembarque de tropa em estabelecimento prisional. A aeronave tinha três tripulantes, sendo dois pilotos, um operador aerotático de segurança (lançador) e quatro passageiros a bordo.

Após cerca de cinco minutos de voo, quando em aproximação final para o desembarque a baixa altura a, aproximadamente, 10 metros de altura, um dos passageiros que estava em treinamento caiu da aeronave e sofreu lesões fatais.

A ocorrência foi a segunda no Brasil com lançamento de pessoas e a primeira envolvendo um helicóptero, em 10 anos, conforme levantamento junto à Força Aérea Brasileira.

Já na história do Comando de Aviação da Polícia Militar do Estado de São Paulo este foi o segundo acidente fatal registrado, com a terceira morte.

Treinamento

Equipes da Polícia Militar do Estado de São Paulo se reuniram, em um voo local, para um treinamento de desembarque de tropa em estabelecimentos prisionais. O objetivo era preparar as unidades de policiamento especiais locais para situações de crises no interior dos presídios, conforme descrito no relatório acessado pelo g1.

Na ocasião, os passageiros eram policiais militares que compunham o efetivo do 32º Batalhão de Polícia Militar do Interior (BPM/I), pertencentes à Companhia de Força Tática, unidade responsável pela atuação em ocorrências policiais com maior gravidade para repressão imediata aos crimes violentos na região de Assis (SP).

Nas semanas anteriores ao acidente, também ocorreram treinamentos semelhantes com outras unidades policiais da região, com a mesma finalidade de preparar os militares para possíveis intervenções em caso de rebeliões nos presídios que circundavam aquela localidade.

Ainda segundo o relatório, no dia 15 de julho de 2020, foram realizados treinamentos teórico-práticos (no solo) com todos os participantes do 32º BPM/I e não ocorreu nenhuma situação crítica durante as ações.

No dia da ocorrência, ainda houve a realização de briefing com a tripulação e com os militares antes do voo, ou seja, uma revisão dos procedimentos.

De acordo com o levantamento realizado pela Comissão de Investigação, a rota percorrida pela aeronave, da decolagem até o pouso, bem como a altitude, a velocidade e a dinâmica de voo, não influenciaram na queda de um dos militares que estava a bordo.

O acidente causou a morte do cabo da PM Alexandre Luís Batista, que tinha 43 anos de idade e que foi sepultado no Cemitério da Paz, em Paraguaçu Paulista (SP).

Procedimentos

Conforme o relatório do Cenipa, acessado pelo g1, em 2018 o Comando de Aviação “João Negrão” iniciou um processo de revisão dos seus Procedimentos Operacionais Padrões (POPs), o que consistia na materialização da Doutrina Operacional da Unidade de Aviação Pública (UAP) em questão.

“Dentre os procedimentos alterados, o específico para o desembarque de tropas em estabelecimentos prisionais foi modificado para inclusão de um sistema de segurança de liberação rápida, destinado à maior proteção daquele tipo de atuação policial”, aponta o documento.

Dentro da aeronave, havia um sistema de segurança para os militares que realizariam o desembarque, que consistia em uma fita tubular e mosquetões fixados a ilhoses no piso da aeronave.

O Equipamento de Proteção Individual (EPI) para realização do voo consistia em uma cadeira, do tipo “arnês”, de segurança em altura nível 2, que possuía um mosquetão fixado na parte de trás. A cadeira era afivelada na cintura e nos membros inferiores do usuário.

A figura a seguir, de número 4, ilustra a posição do operador aerotático de segurança (lançador) no interior da aeronave com os EPIs instalados.

Cada voo seria realizado com sete pessoas a bordo, sendo três tripulantes – dois pilotos e um operador aerotático de segurança –, e quatro militares operacionais táticos, sendo um escudeiro, que realizariam o treinamento de desembarque.

Os militares operacionais táticos não realizaram o embarque completo na aeronave devido ao tipo de operação.

“Eles foram distribuídos dois de cada lado da aeronave e ficaram em pé em cima dos esquis, de costas para a aeronave. Após o posicionamento, o operador aerotático de segurança (lançador) procedeu a amarração das fitas do sistema de segurança nos mosquetões das cadeiras táticas de cada militar”, descreve o relatório.

Após a ocorrência, a Comissão de Investigação e membros da Polícia Militar realizaram uma simulação da ação em solo com as finalidades de verificar os procedimentos adotados no dia do acidente e testar os equipamentos de segurança.

“De acordo com a simulação, não houve indícios de falha na cadeira de segurança nível II, nos mosquetões e na fita tubular utilizados no dia do acidente. Os equipamentos foram recolhidos para a realização de uma perícia, pelo Inquérito Policial Militar (IPM) instaurado”, afirma o documento.

Também durante a realização dos ensaios de tração, a perícia realizada pela Polícia Técnico-científica concluiu que os materiais de ancoragem suportavam carga superior a 120 quilos.

Todos os ensaios realizados pelas equipes indicaram não haver danos estruturais aos equipamentos, exceto os cortes provocados por instrumento cortante pela equipe da Unidade de Resgate do Corpo de Bombeiros local na ocasião do salvamento do policial militar que sofreu a queda.

“Sendo assim, inferiu-se que pode ter havido falha no sistema de soltura ou por acionamento involuntário ou equivocado”, diz o relatório.

Segundo consta no documento do Cenipa, mediantes as entrevistas realizadas, “foi possível verificar que havia divergências em alguns procedimentos que deveriam ser adotados pelo operador aerotático de segurança (lançador) e pelos militares que iriam realizar o desembarque. Este só deveria ocorrer após liberação do operador aerotático de segurança (lançador) por meio de gestos ou ações pré-determinadas no briefing, observando que, até esse momento, os militares operacionais táticos ainda deveriam encontrar-se ancorados”.

“Isso pode ter se dado em decorrência da adoção de práticas que ainda não estavam devidamente formalizadas, mas que já estavam sendo executadas pelos tripulantes aerotáticos, conforme seu julgamento e experiência”, segundo o relatório.

Ainda que o Procedimento Operacional Padrão tivesse sido atualizado com o novo sistema de ancoragem, a nova versão não estava oficialmente disponibilizada na biblioteca digital do sistema de gestão implementado na Unidade de Aviação Pública, consubstanciado na fonte oficial de procedimentos, documentação e operações desenvolvidas pelo CAvPM.

“Um desses procedimentos conflitantes consistia em se realizar uma força para frente, com o corpo, pelos militares que iriam realizar o desembarque, após ser dado o comando de ‘prepara’”.

Conforme explica o relatório, o comando de “prepara” consistia em um alerta de proximidade com o desembarque.

“Esse comando era realizado na final para pouso pelo operador aerotático de segurança (lançador). Nesse momento de atenção, a corda ainda não era solta, ou seja, todos os militares ainda deveriam estar amarrados na aeronave pelo sistema de segurança”, diz o relatório acessado pelo g1.

O fato de o Procedimento Operacional Padrão que orientava o desembarque de tropa em estabelecimento prisional, em vigor à época da ocorrência, ser de 2002, “concorreu para o surgimento de regras ainda não formalizadas de comportamento durante as operações e representava uma desatualização nos sistemas de apoio ofertados para subsidiar o desempenho dos operadores aerotáticos de segurança (lançadores)”.

“Durante as entrevistas, verificou-se que diferentes versões do POP para o desembarque de tropa em estabelecimento prisional ‘atualizado’ circulavam entre os operadores aerotáticos de segurança (lançadores) da UAP”, aponta.

Ainda segundo consta no relatório, o Comando de Aviação da PM “buscava cumprir todos os requisitos estabelecidos no RBAC nº 90, porém não possuía um Manual de Operações (MOP), que era o instrumento administrativo que dispunha sobre a política, procedimentos, instruções, orientação e doutrina para o desenvolvimento das operações aéreas da UAP, dentro do Nível Aceitável de Desempenho de Segurança Operacional (NADSO)”.

Na ocasião, o CAvPM realizava um Estágio de Aperfeiçoamento Profissional (EAP) dedicado ao treinamento dos seus tripulantes, incluindo os operadores aerotáticos de segurança (lançadores). O EAP era desenvolvido durante uma semana, perfazendo 40 horas/aula, sendo 10h em formato à distância e 30h presenciais.

O treinamento presencial aos operadores aerotáticos de segurança (lançadores) era realizado na Base de Aviação da Polícia Militar de Sorocaba (SP), onde possui uma plataforma de treinamento móvel.

Os registros do Centro de Treinamento de Aviação (CTAv) indicavam que o operador aerotático de segurança (lançador) participou do referido treinamento nos anos anteriores, sendo o último de 22 de julho de 2019 a 26 de julho de 2019. Após o início da pandemia de Covid-19, em 2020, todos os treinamentos foram suspensos por determinação do Comando da Polícia Militar do Estado de São Paulo.

Não constavam dos registros do CTAv e da Base de Aviação da Polícia Militar de Sorocaba (BAvPM) treinamentos em voo para a manobra de desembarque em estabelecimento prisional. Os registros do currículo desenvolvido nos EAP indicavam que a manobra havia sido praticada nos treinamentos em solo.

Inclinação acentuada

Um vídeo registrado por um observador em solo foi analisado pela Comissão de Investigação. Nas imagens, conforme consta no documento, foi possível visualizar que, antes da queda do escudeiro, o militar operacional tático II “estava com uma inclinação acentuada, incompatível com a prevista naquela situação”.

“Os testes realizados pela Comissão de Investigação no solo, demonstraram que tal inclinação só seria possível ser atingida caso a fita tubular estivesse rompida ou solta”, explica.

Uma simulação realizada pelas equipes demonstra como deveria estar o posicionamento dos corpos dos militares durante o treinamento em Álvares Machado e até que distância e inclinação permitiam a fita tubular quando amarrada de forma correta.

“Assim, foram verificadas falhas na realização do desembarque da tropa, tendo em vista que a atenção na operação e a avaliação do cenário estavam prejudicadas, diante de equívocos na execução da sequência prevista no POP”, aponta.

Foi observada “a falta de uma apropriada transição e capacitação dos operadores aerotáticos de segurança (lançador) para realizarem treinamentos de desembarque de tropas”, conforme estabelecido em trecho do regulamento.

“A escolha do instrutor para realizar o treinamento foi baseada na experiência acumulada pelo operador aerotático de segurança (lançador) na realização daquele tipo de manobra. Além disso, havia pouca familiaridade da tropa em treinamento com a sequência dos procedimentos estabelecidos no POP 8.03.12, no tocante ao desembarque”, diz o relatório final do Cenipa.

Ainda sobre o treinamento de desembarque de tropas, segundo o documento, “o fato de não ter percebido qualquer anormalidade na sequência dos procedimentos sugere um baixo nível de consciência situacional, que consequentemente, afetou a capacidade de julgamento do militar envolvido na ocorrência”.

“Dessa forma, a hipótese mais provável é que o militar operacional tático II, após escutar o comando de voz de ‘prepara’, tenha realizado o procedimento de inclinar o corpo para a frente, acreditando que o sistema de amarração de segurança estivesse preso”, sugere.

“Assim, ao projetar seu corpo à frente e se preparar para o desembarque, estando com sistema de ancoragem solto, veio a cair do helicóptero”, narra o relatório.

Os demais operadores táticos que realizariam o desembarque ficaram parcialmente presos ao sistema e não caíram, devido à ação do operador aerotático de segurança (lançador) ao segurar uma das pontas da fita tubular.

Prevenção

O Comando da Aeronáutica, por meio do Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos, adverte que “o único objetivo das investigações realizadas pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Sipaer) é a prevenção de futuros acidentes aeronáuticos”.

“De acordo com o Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional (Convenção de Chicago) de 1944, da qual o Brasil é país signatário, não é propósito desta atividade determinar culpa ou responsabilidade. Este Relatório Final Simplificado, cuja conclusão baseia-se em fatos, hipóteses ou na combinação de ambos, objetiva exclusivamente a prevenção de acidentes aeronáuticos”, salienta.

O Relatório Final Simplificado é elaborado com base na coleta de dados, conforme previsto em Protocolos de Investigação de Ocorrências Aeronáuticas da Aviação Civil conduzidas pelo Estado Brasileiro e foi disponibilizado à Anac e ao Departamento de Controle do Espaço Aéreo (Decea) para que as análises técnico-científicas da apuração sejam utilizadas como fonte de dados e informações, com o objetivo de identificar perigos e avaliação de riscos, conforme disposto no Programa Brasileiro para a Segurança Operacional da Aviação Civil (PSO-BR).

Comando de Aviação da PM

O Comando de Aviação da Polícia Militar informou, em nota ao g1, que ainda não foi notificado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos do conteúdo do Relatório Final Simplificado da ocorrência aeronáutica de 16 de julho de 2020, em Álvares Machado, e que tomou conhecimento da divulgação através de consulta ao site do próprio órgão da FAB.

Veja abaixo o posicionamento na íntegra:

“O Comando de Aviação da Polícia Militar (CAvPM) até a presente data não foi notificado pelo Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (CENIPA) do conteúdo do Relatório Final Simplificado da ocorrência aeronáutica de 16 de julho de 2020 com a aeronave pertencente a Polícia Militar e tomou conhecimento da divulgação através de consulta ao site do CENIPA.

O único objetivo das investigações realizadas pelo Sistema de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (SIPAER) é a prevenção de futuros acidentes aeronáuticos. De acordo com o Anexo 13 à Convenção sobre Aviação Civil Internacional (Convenção de Chicago) de 1944, da qual o Brasil é país signatário, não é propósito deste tipo de investigação determinar culpa ou responsabilidade. Neste sentido, o CAvPM suspendeu o Procedimento de Desembarque de Tropas em Estabelecimento Prisional, até a conclusão da investigação e divulgação dos fatores contribuintes e recomendações de segurança. Após conhecimento do Relatório, novas avaliações serão realizadas para a reativação deste tipo de procedimento com ações de mitigação do risco.

Quanto ao âmbito penal militar, o inquérito Policial Militar (IPM) conduzido por este Comando de Aviação foi concluído e encaminhado à Justiça Militar em 30 de novembro de 2020.

Cumpre informar que o Comando de Aviação mantém uma política de busca da excelência em qualidade e segurança nas operações. Desta forma mantém atualizadas todas as técnicas, normas e procedimentos relativos à Segurança de Voo determinados pelos Manuais Técnicos dos Fabricantes, Órgãos Homologadores e Órgãos Reguladores, aplicando periodicamente um Programa de Treinamento em suas Tripulações Operacionais.

A unidade possui 38 anos de existência e já voou mais de 165.000 horas, cumprindo 360.429 missões e tendo salvo 19.164 vítimas em diversas ocorrências de alta complexidade, mantendo o lema de ‘Voar para servir’.

Comando de Aviação da Polícia Militar”.

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