Descoberta de fósseis raros de aves da ‘Era dos Dinossauros’ em Presidente Prudente completa 15 anos

27/09/2019 08h39 Paleontólogo Willian Nava lembra ao G1 como descobriu, em 2004, área com fragmentos ósseos do período Cretáceo. Estudos levaram a cidade aos holofotes da ciência.
Por G1, Presidente Prudente - SP
Descoberta de fósseis raros de aves da ‘Era dos Dinossauros’ em Presidente Prudente completa 15 anos .

Fragmentos de história incrustados em rochas. Foram eles, pequenos fósseis que por anos ficaram “escondidos”, que colocaram Presidente Prudente (SP) nos holofotes da ciência nacional e internacional.

Há exatos 15 anos, o paleontólogo Willian Roberto Nava foi atraído por um terreno no Parque dos Girassóis, de onde extraiu raridades: ossos de aves que viveram no período Cretáceo, a “Era dos Dinossauros”.

O profissional contou ao G1 um pouco de seu trabalho e como a cidade virou referência.

Tudo começou em janeiro de 2000, quando o paleontólogo encontrou, às margens da Rodovia Raposo Tavares (SP-270), no perímetro prudentino, muitas rochas espalhadas num terreno perto do acostamento. À época, eram realizadas obras de ampliação da estrada.

Ao examinar as diversas rochas, o paleontólogo encontrou dezenas de fósseis, uns presos, outros desprendidos, alguns fragmentados, e, claro, os de maior tamanho chamaram a sua atenção.

“Percebi que havia vários ossos que pertenciam a dinossauros e, num determinado trecho do ‘depósito de rochas’, havia uma associação de ossos agrupados, vamos assim dizer, em alguns blocos de arenitos finos de coloração vermelho-marrom acinzentada”, lembrou Nava ao G1.

O especialista salientou que nunca encontrou ossos de dinossauro tão brancos. O material se destacava na rocha avermelhada.

“Coletei o que pude naquele momento, pois não estava com as ferramentas habituais de escavação. Então, essa coleta foi um salvamento paleontológico”, afirmou.

Nava retornou ao trecho às margens da SP-270 diversas vezes para coletar o que fosse possível, mesmo com chuva. Muitos dos fósseis se perderam.

Os materiais coletados foram levados para Marília (SP), onde o paleontólogo os deixou secar, até o momento de começar a reconstituir os fósseis possíveis. Foi quando Nava identificou pedaços de costelas, vértebras cervicais, falanges, fragmentos de ossos longos e um ramo mandibular preso num bloco de arenito.

Todo material depois foi compartilhado com pesquisadores do Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde ficou em estudos por alguns anos. A descrição formal do “dinossauro prudentino” ocorreu em 2013, quando foi batizado como Brasilotitan nemophagus.

Aves – 15 anos

Devido à localização do titanossauro, em 2000, Nava precisou voltar a Presidente Prudente em 26 de setembro de 2004 para ver algumas coordenadas do local da descoberta. Feito isso, num tempo de sobra, “algo” o conduziu até a região sul da cidade.

“Atraído por uma colina meio alta, onde havia vários prédios de apartamentos”, ao chegar num dos lados da rua, o paleontólogo viu algumas rochas aflorando perto do que seria a calçada daquela via. Nelas, o que "não foi surpresa", havia pequenos ossos, “diminutos mesmo”, alguns finos e longos.

Os materiais estavam presos a uma rocha de cor marrom-avermelhada arenosa dura, com pequenas pelotas de argila incrustadas. “Sem saber o que eram, de imediato, coletei alguns blocos e trouxe para Marília”, contou ao G1.

“Aqueles ossinhos longos me deixaram intrigados, pois alguns deles quebrados na transversal pela exposição mostravam que eram ocos, não tinham porosidade. Pensei, então, ‘seriam fósseis de lagartos ou anfíbios?’”, recordou Nava.

Depois da coleta de vários blocos de arenito com os ossinhos incrustados e posterior preparação dos pequenos materiais fossilizados, bem como buscas na literatura, Nava encontrou a resposta: eram ossinhos de aves que viveram durante o período Cretáceo. “Fantástico!!”, comentou ao G1.

Tal grupo de aves fósseis possuía registro na Argentina. “A maioria dos ossinhos que encontrei em Prudente era semelhante aos da Patagônia. Eram aves de um grupo extinto junto com os dinos, chamado Enantiornithes”, enfatizou ao G1.

As escavações foram intensificadas ao longo dos anos e a maioria dos fósseis escavados era mesmo de aves, tanto elementos pós-cranianos isolados quanto parcialmente articulados, além de partes do crânio, como calotas e pré-maxilas, que apresentavam dentes e indicavam ser este grupo de aves mesozoicas – animais carnívoros –, “pois os dentinhos são pontudos e um pouco recurvados para trás”.

Há outra pré-maxila, sem dentes. O material se mantém em estudo e ainda não foi confirmado.

Mas as descobertas não ficaram restritas apenas às aves. As escavações também recuperaram fósseis de outros animais, como:

Dentes de crocodyliformes;

Dentes de dinossauros: saurópodes (titanossauros), de terópodes (carnívoros, um dos grupos conhecidos como Abelissauridae), e outros dentes ainda não identificados);

Escamas e restos ósseos de peixes;

Anfíbios;

Uma pré-maxila de lagarto – descrita em 2011 nos Anais da Academia Brasileira de Ciências como Brasiliguana prudentis, por Nava & Martinelli;

Coprólitos (excrementos fossilizados) ainda não estudados;

Placas ósseas de tartarugas.

Raridade

Sobre tantas descobertas, Nava afirmou ao G1: “Uma rica fauna de animais vertebrados que deveria estar habitando às margens de algum rio ou pequeno curso de água, e teve seus restos ósseos transportados a curta distância e depositados em fundo lamacento daquele ambiente, sendo imediatamente soterrados, não havendo fraturas. Os arenitos são de origem fluvial”.

Principalmente pela raridade dos ossinhos das aves é que este sítio paleontológico, batizado pela equipe do Museu de História Natural de Los Angeles, a partir de 2017, como "William's Quarry" (pedreira do Willian, em inglês), “é tão importante para a ciência brasileira e até mesmo mundial”.

Além de Presidente Prudente, só há um outro sítio paleontológico com registro de aves da época dos dinossauros no Brasil, localizado na Chapada do Araripe, no Ceará. “Entretanto, o sítio ‘William's Quarry’ de Prudente é muito mais rico em quantidade e qualidade dos espécimes fósseis, preservados em 3D”, afirmou Nava ao G1.

“Os fósseis das aves de Prudente representam dezenas, talvez centenas de indivíduos do grupo Enantiornithes, com cerca de três a quatro gêneros e espécies novas reconhecidas até o momento para o continente americano, num estudo que está prestes a ser divulgado”, comentou ao G1 o paleontólogo.

Ainda de acordo com Nava, mais de 2.000 ossos foram recuperados do local. Os materiais indicam aves de porte pequeno a médio, de tamanhos semelhantes entre um beija-flor e um pouco maior do que uma pomba.

“Este sítio paleontológico, com área escavada de aproximadamente seis metros quadrados, guarda informações-chave para o entendimento da evolução, diversificação e extinção desse grupo de aves ao longo do Cretáceo, entre 80 e 70 milhões de anos”, disse o paleontólogo.

Todos os fósseis têm sido encaminhados ao Museu de Paleontologia de Marília para preparação e análises. O local é coordenado por Nava.

Proteção

É difícil quantificar as escavações feitas ao longo desse tempo todo, conforme Nava, mas ele “chuta” que foram centenas.

“Nós – Museu de Marília, Museu de Los Angeles e Museu da Argentina – pretendemos continuar as escavações no sítio das aves. Eles, ano que vem, mas eu, quando puder estarei aí novamente, pois estou perto”, comentou o paleontólogo ao G1.

Por se tratar de um espaço com raros materiais, Nava e seus companheiros pedem à administração pública de Presidente Prudente que o local seja protegido.

“Essa proteção já solicitamos na primeira etapa das escavações em equipe, realizada em maio de 2017, da qual o senhor prefeito se mostrou bastante sensibilizado, já que esse sítio paleontológico é considerado pelo Museu de Los Angeles como o mais rico em quantidade e grau de preservação dos fósseis, comparável aos sítios de fósseis de aves da China”, lembrou.

Em maio de 2019, ocasião em que ocorreram novas escavações, o prefeito Nelson Roberto Bugalho (PTB) esteve no local e novamente foi enfatizada a importância da preservação do sítio para a ciência brasileira, apesar de ser área pública e estar dentro do perímetro urbano.

À época, foi anunciado o pedido de tombamento da área ao Conselho Municipal de Defesa do Patrimônio Histórico e Arquitetônico (Comudephat). O G1 solicitou à Prefeitura de Presidente Prudente uma atualização sobre o trâmite, mas não obteve retorno até esta publicação.

“É muito séria essa questão de proteger o sítio, não construir nada nele. Pensa, os caras saírem dos EUA e da Argentina para virem a Marília e a Prudente é porque vale a pena mesmo!!! Loucura, né, sair dos países deles, e vir quebrar pedra aqui, sob sol forte etc. Nossa, tem algo muito especial nisso!!”, salientou Nava ao G1.

Estudos e apresentações

Atualmente, o estudo dos fósseis é conduzido pelo professor doutor Luis Chiappe, do Museu de Historia Natural de Los Angeles, nos EUA, em parceria com o Museu de Paleontologia de Marília, depositário e responsável pela guarda e coleção dos fósseis das aves, além do paleontólogo Agustin Martinelli, do Museo Argentino de Ciências Naturales “Bernardino Rivadavia”, de Buenos Aires, na Argentina, e pelo professor Herculano Alvarenga, do Museu de História Natural de Taubaté (SP).

Os pequenos fósseis de aves, como são objeto de estudos, não são expostos ao público. No entanto, diversos trabalhos – sob a forma de pôster, banners ou oral – sobre o sítio paleontológico "William's Quarry" de Presidente Prudente foram apresentados em diversos eventos de paleontologia, inclusive internacionais. Nava destacou alguns:

O 5th International Paleontological Congress (5º Congresso Internacional de Paleontologia), realizado em Paris, na França, entre os dias 9 e 13 de julho de 2018, contando com apresentações de estudos e palestrantes de todos os continentes. Foi apresentado o trabalho An Exceptionally bone bed of Enantiornithine birds in the Late Cretaceous of Brazil, sobre os fósseis de aves que viveram na época dos dinossauros na região de Presidente Prudente;

O mesmo trabalho foi apresentado no Novo México, nos EUA, em outubro do ano passado.

Neste ano, o trabalho deverá ser apresentado em Brisbane, na Austrália, durante o 79th Annual Meeting of Society of Vertebrate Paleontology, e no XXVI Congresso Brasileiro de Paleontologia de Vertebrados, em Uberlândia (MG), ambos em outubro próximo.

O paleontólogo William Roberto Nava é curador de fósseis e coordenador do Museu de Paleontologia de Marília, vinculado à Secretaria Municipal de Trabalho, Turismo e Desenvolvimento Econômico da Prefeitura de Marília.

Foi através de seu trabalho, iniciado em 1993, que surgiu em novembro de 2004 o Museu de Paleontologia da cidade, único em todo o Oeste Paulista com exposição permanente de fósseis de dinossauros e outros animais pré-históricos.

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