Presídio para PMs em SP mantém visitas presenciais na pandemia; presos comuns estão sem ver parentes desde março

03/09/2020 05h39 Justiça suspendeu entradas externas em todos 176 presídios do estado, mas penitenciária de policiais permite visitação. Defensoria vê 'diferenciação entre cidadãos'. Ao G1, governo de SP afirma que 'já trabalha em plano de retomada' de visitas em penitenciárias do estado.
Por G1, São Paulo - SP
Presídio para PMs em SP mantém visitas presenciais na pandemia; presos comuns estão sem ver parentes desde março Policiais presos no Presídio Militar Romão Gomes, da PM de SP. (Foto: Reprodução / G1)

Mais de 240 policiais militares presos provisoriamente (aguardando julgamento) ou em definitivo (já condenados) em São Paulo e mantidos no Presídio Militar Romão Gomes, na Zona Norte da capital paulista, podem receber visitas presenciais de parentes durante a pandemia.

A norma é contrária à determinada a todos os demais detentos que estão nas 176 penitenciárias do estado, cujas visitas estão suspensas há 5 meses pela Justiça e por portaria interna da secretaria estadual de Administração Penitenciária (SAP).

Em 20 de março, atendendo a um pedido do Sindicato dos Agentes de Segurança Penitenciária do Estado de São Paulo, a Justiça determinou o cancelamento das visitas presenciais aos sentenciados, com o objetivo de conter a proliferação do coronavírus entre agentes de segurança, presos, visitantes e a população em geral.

Ao G1, a SAP disse que "já trabalha em um plano de retomada" para as visitas em todos os presídios do estado, "que está sendo avaliado mês a mês e será adotado assim que as condições sanitárias permitirem" e que o sistema penitenciário estadual tem lotação muito superior à do Romão Gomes, com mais de 230 mil detentos.

A decisão de permitir as visitas presenciais no presídio dos PMs, mesmo com risco de contaminação pela Covid-19, é do Comando da Corporação no estado de São Paulo e do Tribunal de Justiça Militar (TJM), que acompanha a execução das penas dos PMs presos no Romão Gomes.

Em nota enviada ao G1 na manhã desta quarta-feira (2), a PM disse que as visitas foram suspensas logo no início da pandemia, cumprindo determinação estadual, e retomadas após as medidas de prevenção serem colocadas em prática em um plano homologado judicialmente.

Segundo o TJM, o corregedor do presídio da PM, juiz militar Luiz Alberto Moro Cavalcante, determinou em 13 março, logo no início da pandemia, a proibição das visitas por um período curto de tempo. Naquela ocasião, as visitas íntimas foram também suspensas e continuam proibidas até a presente data.

Plano de contingenciamento

Como o Romão Gomes tem cerca de 240 presos, segundo estatísticas atualizadas pelo Tribunal em julho, a Justiça Militar e o Comando da PM resolveram aplicar "planos de contingenciamento" com abertura progressiva das permissões, com a autorização para visitas presenciais, desde que houvesse a adoção de protocolos de segurança e de higiene, visando evitar a contaminação pela Covid-19.

A proibição total das visitas presenciais durou de 2 a 3 semanas, quando entrou em vigor o segundo plano de contingenciamento, começando a permitir visitas presenciais.

Atualmente, as visitas presenciais de parentes no Presídio Militar Romão Gomes obedecem as seguintes normas:

- Cada preso tem direito a receber apenas 2 visitantes, com cadastro prévio no presídio;

- Cada visitante pode ficar no máximo duas horas por dia no presídio;

- A visitação é intercalada em dois turnos (manhã e tarde);

- A visita ocorre com horário previamente agendado;

- É necessário passar por termômetro de temperatura corporal;

- É necessário seguir regras de distanciamento social.

Segundo o TJM, os planos de contingência estabelecidos para o Presídio Romão Gomes foram sofrendo ajustes ao longo do tempo, devido à melhoria das condições sanitárias no estado e na capital paulista e o andamento foi informado ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que acompanha a situação do sistema carcerário brasileiro.

Defensoria e ONG apontam discriminação

Para a Defensoria Pública de São Paulo e a ONG Associação de Amigos e Familiares de Presos (Amparar), não há motivos que justifiquem diferença de tratamento entre presos comuns e presos policiais. Segundo Raílda Alves, diretora da ONG, a situação não é só retrato da "desigualdade", mas retrata despreparo dos órgãos penitenciários para se preparem para a pandemia.

"Isso é injusto, não só na parte que a lei é igual para todos, mas na parte de que a PM se preparou para isso, para que os policiais presos pudessem receber visitas e um tratamento diferenciado. Por que os presídios normais também não adotam protocolos e tomam as medidas cabíveis para permitir as visitas?", questiona Raílda.

"Os direitos dos presos policiais são garantidos [como a visita], enquanto os dos presos comuns, não", diz ela.

Integrante do Núcleo Especializado de Situação Carcerária, o defensor público Matheus Moro acompanha as solicitações de detentos e familiares na pandemia e afirma que as explicações do governo "tratam as pessoas de maneira desigual".

"A quantidade de presos no sistema não é justificativa para não permitir visitas presenciais em alguns pequenos presídios", diz Moro.

"A diferenciação de PMs presos e os presos comuns trata alguns como mais cidadão do que outros e não têm razão de existir", argumenta o defensor público.

Visitas virtuais

Há dois meses, a Secretaria de Administração Penitenciária implantou um projeto chamado "Conexão Familiar", que permite "visitas virtuais" por meio de tecnologia de áudio e vídeo, com agendamento prévio.

Segundo a pasta, o sistema de videoconferência está sendo usado em todos os 176 presídios do estado de São Paulo e é o mesmo utilizado, durante a semana, para teleaudiências criminais, entrega de citações e intimações de oficiais de justiça e atendimento de advogados.

O governo afirma que desde julho foram mais de 1,27 milhão de mensagens trocadas - 676.958 recebidas e 598.808 enviadas -, além de 60.940 visitas virtuais realizadas nos presídios de São Paulo.

Na avaliação de Raílda, da ONG que reúne parentes e familiares de presos, "as visitas virtuais são rápidas, duram menos de 5 minutos". E é essa uma das maiores reclamações dos parentes dos presos para a Defensoria: o pouco tempo para as conversas virtuais.

"As visitas virtuais possuem uma série de dificuldades. Uma delas é que nem todo mundo têm acesso a internet estável para isso. Outra, é o tempo, que dura apenas 5 minutos. Demoraríamos meses para que todos os detentos pudessem ter direito a essas visitas virtuais, que são feitas só aos finais de semana", diz o defensor público Matheus Moro.

O governo de SP ainda afirma que, além das visitas virtuais, os presos podem "manter os laços sociais" pelo "envio/recebimento de correspondências".

A Defensoria pediu à Justiça que o governo do estado comece a preparar um plano para prever problemas e prevenir riscos em uma eventual retomada das visitas presenciais.

Sobre visitas presenciais, a SAP informou, em nota, que "já trabalha em um plano de retomada que está sendo avaliado mês a mês e será adotado assim que as condições sanitárias permitirem".

O G1 apurou que é possível que, até o fim de 2020, as visitas presenciais sejam retomadas nas penitenciárias do estado, com restrições e segundo as regras de vigilância sanitária.

De acordo com a pasta, 828 servidores de presídios já tiveram a confirmação de Covid-19 e 27 morreram por causa da doença no estado. Entre os presos, 794 tiveram a confirmação de coronavírus por exame PCR, sendo que desses 24 morreram. Outros 4.008 testaram positivo para doença através de teste rápido: mais de 94% está recuperado e o restante permanece em isolamento.

Veja a íntegra da nota da PM sobre as visitas no Romão Gomes:

"A Polícia Militar informa que as visitas no presídio Romão Gomes foram imediatamente suspensas no início da pandemia, conforme a determinação estadual. A partir dessa decisão, a unidade elaborou um plano de contingência, devidamente homologado judicialmente, com vistas a prevenir o contágio da Covid-19 pelos funcionários, reeducandos e profissionais do Direito. O sistema de comunicação eletrônica foi ampliado para a realização de videoconferências pelas Auditorias do Tribunal de Justiça Militar e por magistrados do Tribunal de Justiça, além de disponibilizar entrevista virtual entre os advogados e seus clientes, preservando-se o sigilo profissional. As rotinas de higienização da unidade também foram intensificadas, inclusive com a distribuição de máscaras e álcool em gel. Somente após a adoção de todas essas medidas, as visitas a unidade foram gradualmente retomadas de forma extremamente restrita, com diminuição do horário de visitas e de visitantes, seguindo as diretrizes aprovadas pela Justiça."

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