Justiça ordena implantação de casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência e centro de reabilitação para agressores em Dracena

13/03/2020 05h39 Sentença da juíza Aline Sugahara Bertaco impõe obrigações, solidariamente, ao Estado e à Prefeitura, em ação movida pela Defensoria Pública.
Por G1, Dracena - SP
Justiça ordena implantação de casa de acolhimento para mulheres vítimas de violência e centro de reabilitação para agressores em Dracena Justiça determinou a implantação de Casa de Acolhimento Provisório de Curta Duração para as mulheres vítimas de violência doméstica em Dracena. (Foto: Doidam10/Freepik)

A Justiça condenou, em sentença de primeira instância, o Estado e a Prefeitura às obrigações de implantarem e adequarem em Dracena (SP) uma Casa de Acolhimento Provisório de Curta Duração para as mulheres, e seus dependentes, vítimas de violência doméstica e familiar e um Centro de Educação e Reabilitação para os agressores.

Em relação à Casa de Acolhimento, a sentença proferida nesta quarta-feira (11) pela juíza Aline Sugahara Bertaco, da 3ª Vara da Comarca de Dracena, determina que o espaço, além de servir para o amparo provisório, deverá realizar o atendimento multidisciplinar especializado e qualificado para as mulheres e seus dependentes, o que inclui assistência material, psicológica e jurídica.

A decisão aponta ainda como base para a medida as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência.

A magistrada julgou parcialmente procedente uma ação civil pública ajuizada pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo, em maio do ano passado, contra o Estado e a Prefeitura.

Em sua decisão, à qual cabe recurso, a própria juíza pontua que a sentença está sujeita ao reexame necessário e que, após o trânsito em julgado, o Estado e a Prefeitura terão o prazo máximo de 180 dias para o cumprimento das obrigações, contados a partir da próxima Lei Orçamentária Anual.

Na ação civil pública, um dos pedidos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo era para a implantação de uma casa-abrigo em Dracena, medida prevista na Lei Maria da Penha.

No entanto, em sua decisão, a juíza Aline Sugahara Bertaco fez a opção pela Casa de Acolhimento Provisório de Curta Duração.

"Existe, portanto, um dever constitucional e legal, por parte do Estado e do Município, de dar assistência a mulheres vítimas de violência doméstica. Ao lado disso, contudo, está a discricionariedade da Administração Pública, que entre vários meios de atingir um objetivo, pode escolher aquele que lhe for mais conveniente e oportuno", afirma a magistrada.

"O abrigamento, portanto, não se refere somente aos serviços propriamente ditos (albergues, casas-abrigo, casas de passagem, casas de acolhimento provisório de curta duração, etc.), mas inclui também outras medidas de acolhimento que podem constituir-se em programas e benefícios (benefício eventual para os casos de vulnerabilidade temporária) que assegurem o bem-estar físico, psicológico e social das mulheres em situação de violência, assim como sua segurança pessoal e familiar, segundo as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência", salienta.

"Portanto, o abrigamento das mulheres vítimas de violência doméstica e seus dependentes menores em casas-abrigo é medida excepcional, recomendada para as situações de grave ameaça e iminente risco de vida, tratando-se de um serviço de caráter sigiloso", esclarece.

Ela enfatiza que "o abrigamento de mulheres vítimas de violência doméstica em casa-abrigo é medida excepcionalíssima, de acordo com as próprias diretrizes nacionais, para casos de grave ameaça e risco de morte".

Ao analisar concretamente a situação vivenciada em Dracena, a juíza conclui que "não existem elementos indicando a necessidade urgente para a implementação de casa-abrigo às mulheres vítimas de violência doméstica, tendo em vista que o abrigamento neste modelo de instituição somente é necessário em casos extremos em que há iminente risco de morte".

"Por outro lado, tratando-se de ação civil pública em que se tutela o direito da coletividade ou um grupo específico de pessoas, há relativização do Princípio da Congruência ou Adstrição", pondera.

"Deste modo, ante a possibilidade acima de excepcionar o Princípio da Congruência e analisando-se a situação concreta, vislumbra-se a importância da existência no Município de Dracena de um local para prestação de atendimento multidisciplinar às mulheres vítimas de violência doméstica, inclusive com a possibilidade de acolhimento de curta duração", explica a magistrada.

Neste sentido, ela cita que as Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres em Situação de Risco e de Violência preveem como solução a instalação de Casas de Acolhimento Provisório de Curta Duração.

A conclusão da juíza é de que o município de Dracena necessita, de fato, de um local para o acolhimento provisório das mulheres vítimas de violência doméstica e seus familiares, porém, de curta duração, nos termos da definição dada pelas Diretrizes Nacionais para o Abrigamento de Mulheres.

"Salienta-se que a Casa de Acolhimento Provisório de Curta Duração deve realizar o atendimento multidisciplinar especializado e qualificado para as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar e seus dependentes, o que inclui assistência material, psicológica e jurídica", reforça a magistrada.

Em relação ao Centro de Educação e Reabilitação dos agressores, a juíza aponta que não há no município nem na Comarca de Dracena nenhum serviço deste tipo, que também está previsto na Lei Maria da Penha.

"Entrementes, é bem verdade que pela atual legislação não existem mecanismos para obrigar a vítima ou o agressor a aderir e frequentar os cursos, palestras e atendimentos ofertados pelo Estado", lembra.

"Porém, inobstante a ausência de legislação específica obrigando o agressor a frequentar os centros de educação e reabilitação, mostra-se necessária a sua existência no âmbito municipal como mais um mecanismo de combate ao nascedouro de toda a violência doméstica contra a mulher, ou seja, o centro de educação e reabilitação pode se tornar uma forma de repressão e prevenção da violência doméstica", conclui.

Estado e Prefeitura

O G1 solicitou nesta quinta-feira (12) posicionamentos oficiais da Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado de São Paulo e da Prefeitura de Dracena sobre a decisão judicial.

Em nota, a Prefeitura informou que, até o momento, "não foi intimada oficialmente da ação".

Já o órgão estadual ainda não encaminhou resposta ao G1.

À Justiça, a Fazenda Pública do Estado de São Paulo alegou que não há qualquer omissão estatal, pois, em casos de necessidade de acolhimento, orienta-se a oferta de aluguel social, república e casa de passagem, além de outras alternativas para a situação específica. Ainda afirmou que o próximo Plano Plurianual contempla a ampliação da rede de acolhimento institucional em abrigo para mulheres vítimas de violência doméstica e seus dependentes.

O Estado pontuou que o abrigamento é uma medida excepcional dirigida para mulheres que estejam sob iminente risco de morte e grave ameaça.

Além disso, salientou que as mulheres vítimas de violência são atendidas pela equipe técnica do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), o qual executa o Serviço de Proteção e Atendimento Especializado de Famílias e Indivíduos (Paefi).

Por fim, alegou que não há dotação orçamentária para a construção de casa-abrigo, bem como não há local para sua implementação, tratando-se de ato discricionário do Poder Executivo.

Já a Prefeitura de Dracena argumentou que o atendimento realizado pelo órgão municipal competente atende as necessidades básicas das mulheres vítimas de violência doméstica, observando-se o orçamento.

Pontuou que o município possui um Centro de Referência de Assistência Social (Cras) e um Creas, o qual, através do Paefi, realiza serviço voltado às famílias e pessoas em situação de risco.

A Prefeitura ainda salientou que não há necessidade de intervenção do Poder Judiciário, em razão da estruturada rede de atendimento fornecida, e, por fim, invocou a teoria da reserva do possível.

Defensoria Pública

De acordo com o defensor público Orivaldo de Sousa Ginel Junior, autor da ação, a Comarca de Dracena concedeu nos últimos dois anos quase 600 requerimentos de medida protetiva de urgência a mulheres vítimas de violência doméstica e familiar: em 2017, foram 284 casos, enquanto em 2018 o número subiu para 288.

Pelo sistema de Registro Digital de Ocorrência (RDO), a Defensoria Pública teve acesso a 50 boletins de ocorrência lavrados em 2018 na cidade de Dracena sobre violência doméstica e familiar e verificou que 56 mulheres foram apontadas como vítimas naqueles documentos.

Na ação, Ginel Junior cita que "muitas vítimas de violência doméstica e familiar temem denunciar o agressor, porque, dentre outros motivos, não têm para onde se refugiar".

"Em grande parte, as mulheres vítimas de violência doméstica e familiar sofrem em silêncio, pois não encontram nenhum amparo familiar, social e estatal", complementa.

Ele reconhece que, embora a violência doméstica e familiar atinja todas as classes sociais, "é a mulher pobre que mais padece com a ausência de apoio".

"Para a mulher pobre que é vítima de violência doméstica e familiar, geralmente há duas opções: ou continua a conviver com o agressor, sujeitando-se a todo tipo de violência, ou sai de casa, deslocando-se para a residência de familiares ou amigos, cujos endereços são de conhecimento do agressor, a ensejar novas investidas", enfatiza o defensor público.

"A maior parte da situação de violência de gênero ocorre dentro da própria da casa das vítimas, sendo que, na maioria dos casos, o pai é o agressor das mulheres, crianças e adolescentes, o cônjuge, companheiro ou namorado é o agressor das vítimas jovens e adultas e o filho é o agressor das mulheres idosas", constata.

Segundo ele, "a imensa parte da violência doméstica e familiar é perpetrada no interior da residência da vítima e por parte do próprio cônjuge, companheiro ou namorado".

"Não é incomum que o agressor proíba a mulher vítima de violência de gênero de trabalhar e que ainda afaste a ofendida de amigos e familiares, para que ela não tenha o amparo de ninguém", afirma Ginel Junior.

"Ao não encontrar amparo de amigos, familiares e do próprio Estado (lato sensu), a mulher vítima de violência doméstica e familiar acaba por se ver forçada a continuar convivendo com o agressor e, por isso, ainda é tachada e estereotipada como ‘mulher masoquista’ ou ‘mulher que gosta de apanhar’, além de outros repugnantes e odiosos impropérios", afirma Ginel Junior.

Ele argumenta que "boa parte dos agressores é composta por homens descontentes com si próprios e que acabam por transferir e canalizar toda a sua frustração na pessoa da vítima, que, no caso de ofendida jovem e adulta, comumente é, como visto, a sua esposa, companheira ou namorada".

"Não se pode negar que ainda remanesce uma cultura machista no Brasil, país colonizado sob o modelo patriarcal de família, que, por alguns setores e segmentos, ainda insiste em manter uma visão desigual de gênero. E não é raro que os agressores estejam envolvidos com o uso abusivo de álcool e/ou com o consumo de drogas. Daí a necessidade de programas de reeducação e de reabilitação para agressores", discorre.

De acordo com o defensor público, os programas de reeducação e de reabilitação para agressores devem ser realizados por equipe multidisciplinar em centros próprios.

"O Judiciário pode, ao condenar o agressor à pena restritiva de direitos de limitação de fim de semana em substituição à sanção corporal, impor o comparecimento obrigatório do agressor a programas de reeducação e de reabilitação. Todavia, não existe nenhum centro de educação e de reabilitação para os agressores na cidade de Dracena", pontua.

"Desse modo, não se alcança a ruptura da cultura de violência de gênero junto aos agressores, o que faz com que a violência doméstica e familiar seja sempre cíclica e progressiva", reforça.

Segundo Ginel Junior, "a necessidade de instalação de um centro de educação e de reabilitação para os agressores na cidade de Dracena é, pois, premente".

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